22/12/2024 às 05:00
Município decretou situação de emergência e pesquisadores procuram respostas para entender o fenômeno. Baía da Traição declara estado de emergênciaTV Cabo Branco/ReproduçãoA força do mar em uma cidade afetada pela erosão costeira no Litoral Norte da Paraíba já destruiu pelo menos 22 imóveis na área urbana de Baía da Traição, segundo a Defesa Civil. Imagens de satélite do Google Earth, feitas entre 2007 e 2023, mostram a evolução dessa destruição. Pesquisadores ainda buscam respostas para entender a causa do problema.Timelapse mostra destruição de casas na orla de Baía da Traição, PBA cidade atrai turistas por suas praias e experiências em aldeias indígenas, uma vez que o município tem cerca de 86,64% da população composta por indígenas, segundo o Censo 2022. A erosão costeira foi motivo para um decreto de situação de emergência, reconhecido pelo governo federal.Raí Pereira passou a infância na região e acompanhou a degradação das casas. Ele explicou que a rua mais afetada pela força do mar é a rodovia estadual PB-008, uma estrada muito movimentada, que dá acesso às aldeias e a pontos turísticos do local. LEIA TAMBÉM:Morro do Careca: por que a erosão acelerou e ameaça uma das dunas mais famosas do NordesteCasas destruídas e avanço do rio e do mar: os reflexos da erosão que atinge 68 km da costa de SergipeEle morava na rua por trás da beira-mar, mas a força da água mudou o cenário. "O lado que era da praia, a maré 'comeu' as casas. A minha rua era a segunda, e aí com a perda desse lado de residências, que era do lado do mar, [a minha rua] passou a ser a primeira, agora de frente pro mar sem nenhuma casa na frente. Só o que divide o mar da minha casa é o calçamento, a PB-008", descreveu.Raí relatou que decidiu se mudar para morar a alguns quilômetros de distância, por medo dos ventos e da força do mar. "Também vieram outros agravos como a deterioração da casa com a maresia. Como não tem mais os coqueirais na frente e as outras residências, toda a força do vento acaba pegando as telhas das casas de frente e aí começa a aparecer goteira, começa a aparecer infiltração. Enfim, é perigoso, né? Então ficava muito complicado permanecer lá. E o mar, cada vez mais avançando, avançando... então antes que ele derrubasse todo o calçamento ou parte do calçamento, nós resolvemos nos organizar e sair", contou.Baía da Traição em 2007 à esquerda e em 2023 à direitaInitial plugin textA empresária Wyara Lelgouarch também foi afetada pela força das marés. Ela tem uma pousada à beira-mar em Baía da Traição. Mas cada vez que chegava uma maré mais alta e mais forte, o terraço da pousada era danificado. A cada três "marés" como essas, ela precisava refazer o terraço e o quebra-mar, que ajudava a amenizar a força da água.Wyara relembra que começaram a retirar as telhas do telhado quando viram que as vigas da pousada estavam rachando. Ela e o sócio perceberam que estavam impotentes diante da situação e não tinham mais recursos financeiros para continuar lidando com a demanda de uma obra tão grande e tão constante. Foto mostra antes e depois de pousada à beira-mar de Baía da Traição; empresária Wyara Lelgouarch teve que fechar estabelecimento por não conseguir bancar constantes reformas de grande porteWyara Lelgouarch/Arquivo pessoal"Refizemos o quebra-mar e o terraço duas vezes, mas, infelizmente, foi em vão, pois a cada nova maré o mar continuava a destruir o que havia sido restaurado. Por conta disso, tivemos que fechar a pousada em meados de 2022", relembra.Wyara ainda tem esperança de que os estudos que estão sendo feitos na orla viabilizem um projeto de engorda na praia. Assim, a pousada poderia ser reformada e reaberta."O caos não afetou somente a nós, mas também várias casas, restaurantes, bares e outros meios de hospedagem em Baía da Traição. Cerca de 50% dos nossos clientes eram estrangeiros, principalmente franceses, e agora é difícil promover a Baía em tal estado, com a praia e a infraestrutura completamente afetadas".Os estudos sobre a situação do município estão sendo produzidos pelo Programa Estratégico de Estruturas Artificiais Marítimas (Preamar), que é uma iniciativa do Governo da Paraíba em parceria com o Instituto Federal da Paraíba (IFPB).A equipe de pesquisadores está analisando as causas da erosão na Baía da Traição e verificando se ela impacta toda a costa do município. O trabalho inclui a elaboração de um diagnóstico emergencial, além de um estudo a longo prazo sobre as condições da região. (leia mais abaixo)Wyara Lelgouarch (ao centro), com o sócio e padrastro Roni (à esquerda) e a mãe (à direita), na recepção da pousada em Baía da TraiçãoWyara Lelgouarch/Arquivo pessoalQuais os motivos da destruição em Baía da Traição?A coordenadora do meio físico do Programa Estratégico de Estruturas Artificiais Marítimas (Preamar) e doutora em geociências, Larissa Lavor, explica que está ocorrendo um processo de erosão costeira na Praia do Forte, em Baía da Traição. Área mais afetada pela força do mar em Baía da Traição é em volta da rodovia estadual PB-008, uma estrada muito movimentada, que dá acesso às aldeias e a pontos turísticos do localTV Cabo Branco/ReproduçãoEla afirma que esse processo envolve a retirada de sedimentos das praias litorâneas devido à ação de forças naturais, como ondas, marés, ventos e correntes marítimas. De acordo com a pesquisadora, esse processo pode ser intensificado por atividades humanas, como construções próximas à costa e desmatamento.O professor Saulo Vital, do Departamento de Geociência da Universidade Federal da Paraíba, também afirma que a orla de Baía da Traição apresenta uma crescente erosão costeira. “Se não for tomada nenhuma providência, a tendência é piorar”, explica o pesquisador.Segundo Larissa Lavor, é precoce afirmar quanto o mar avançou nos últimos anos na região, e que os pesquisadores estão se esforçando para conseguir essas respostas, que só serão obtidas após uma longa análise do fenômeno na área.“Preliminarmente, com base em imagens de satélites, estima-se que a linha de costa vem diminuindo nas últimas décadas, mas a corroboração só pode ser dada após a finalização do diagnóstico, pois é necessário, no mínimo, analisar o fenômeno ao longo de um ano, levando em consideração uma estação seca e uma estação chuvosa”, afirma a pesquisadora.No entanto, Larissa Lavor explica que ainda não é possível afirmar o que está causando a erosão em Baía da Traição, mas os pesquisadores estão investigando diversas possibilidades. Lavor explica que os pesquisadores investigam se a destruição pode ter relação com o avanço do mar e as mudanças climáticas. Ela destaca que os fenômenos ligados à dinâmica da costa brasileira estão se intensificando devido às alterações na temperatura global, que têm causado o aumento do nível do mar ao longo do último século. “Claro que essa variação vai depender de características geológicas e geomorfológicas de cada lugar analisado, mas no geral, eventos extremos vêm ocorrendo com mais frequência”, analisa. No entanto, ainda são necessárias pesquisas para entender como a erosão se comporta na região, se há avanço do mar e qual o aumento do nível do mar na região costeira. Larissa Lavor também explica que o Preamar está analisando elementos cartográficos históricos para verificar se há urbanização irregular na região da praia, que também é uma das possibilidades para o fenômeno.“Estamos buscando informações em documentos históricos, mas analisando imagens de satélites e a partir de visitas técnicas, percebeu-se que as edificações estão em faixa de planície litorânea, que envolve pós-praia, praia, cordões litorâneos, restingas e duna”, afirma a pesquisadora.O professor Saulo Vital também afirma que uma das principais questões na orla de Baía da Traição é que as casas foram construídas no pós-praia e até mesmo praia, além da proximidade com o Rio Sinimbu. Ele explica que a área de praia sofre oscilação de maré, sendo a praia propriamente dita. Já o pós-praia é geralmente onde se encontra a restinga, a vegetação característica da região de praia.O pesquisador também destaca que é necessário mais estudos para entender o avanço do nível do mar na região e o impacto da ação marítima na região.“Tem que ter muito cuidado, porque nem tudo é mudança climática. Às vezes é uma questão urbana, mesmo. Pode ser que aquele município não teve um devido planejamento, as coisas foram feitas de forma irregular e, uma hora, o problema vai explodir. E pode ser as duas coisas também, e provavelmente é”, afirmou o pesquisador Saulo Vital.Segundo a pesquisadora Larissa Lavor, o maior impacto da urbanização na região são os destroços, que precisam ser removidos, porque sua presença pode criar obstáculos que contribuem para a intensificação do problema. Além disso, há a perda das residências da população e das histórias das famílias que viveram naquele local.“Também existe o fato de que as casas em alguns pontos podem servir de áreas de dissipação de energia das ondas, ressuspendendo e deslocando sedimentos, deslocando-os para outros pontos e promovendo erosão em lugares que não existia esse processo”, afirma a pesquisadora. Avanço do mar na Aldeia do Forte em Baía da TraiçãoA pesquisadora também explica que, muitas vezes, a erosão é causada por fatores externos à área do município, resultantes de intervenções ou urbanizações em regiões próximas, que afetam a dinâmica local e podem se propagar para outras áreas. Embora não seja possível afirmar que a erosão em Baía da Traição seja causada por isso, os pesquisadores também estão avaliando essa possibilidade.“Qualquer intervenção deve ser cautelosa, baseada em estudos e monitorada. Na costa paraibana, muitos trechos sofrem erosão, geralmente ligados a construções irregulares em faixas de praia. Quando somamos esse fator ao aumento do nível do mar, percebemos que o processo tem se intensificado nos últimos tempos”, afirma a pesquisadora. Expedições de pesquisadores à Baía da TraiçãoPesquisadores do Preamar em expedição à Baía da TraiçãoReprodução/IFPBNo dia 10 de dezembro, uma equipe de pesquisadores de diferentes áreas realizou uma expedição ao município com o intuito de elaborar um diagnóstico urgente sobre a situação de Baía da Traição. A iniciativa faz parte do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) Preamar, coordenado pelo Ministério Público Federal (MPF).De acordo com o MPF, as equipes debateram a situação em um painel antes de se dirigirem ao município. Durante a expedição, os pesquisadores visitaram locais afetados pela erosão, especialmente a Praia do Forte, onde passa a rodovia PB-008, que conecta Baía da Traição às aldeias indígenas. Além disso, o grupo de especialistas também esteve no manancial responsável pelo abastecimento de água da cidade e em áreas que não enfrentam o problema da erosão.A equipe, composta por 16 profissionais, coletou dados tanto em terra quanto no mar, além de realizar registros visuais, fotográficos e históricos, complementados por imagens de satélite. Eles também conversaram com pescadores e moradores locais para entender melhor os impactos sociais da situação.O MPF informou que o Projeto Preamar irá elaborar um diagnóstico completo do problema, com estudos previstos para um ano e meio. No entanto, a expedição fornecerá um relatório emergencial em dezembro, contendo os resultados obtidos, análises hidrodinâmicas e propostas de medidas urgentes.”A partir dos levantamentos já feitos, estamos estudando uma solução emergencial para garantir a integridade da PB-008, a principal via de acesso da cidade, bem como soluções regionalizadas em médio e longo prazo. As propostas serão apresentadas ao Painel Científico do TAC, fórum onde as soluções serão formalmente definidas” disse o coordenador do Preamar, Cláudio Dybas.O que está sendo feito para minimizar o problema?De acordo a Defesa Civil de Baía da Traição, a solução para impedir o avanço da erosão costeira é construir um semicírculo em concreto ou realizar o alargamento da faixa de areia. O investimento necessário para a realização das ações seria entre R$ 10 milhões, para o primeiro projeto, e cerca de R$ 86 milhões para o alargamento.A Defesa Civil também explica que precisam de verbas para realizar os projetos. Para receber um repasse do Governo Federal, estão enviando informações sobre a situação da cidade para o Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID) e entregaram um plano de trabalho para resolver o problema da PB-008, que é a estrada mais afetada. Eles também afirmam que aguardam respostas do estudo dos pesquisadores do Preamar. Ainda segundo a Defesa Civil, uma reunião foi realizada com os moradores da região mais afetada, mas eles afirmaram que só querem deixar o local quando não houver mais opções. O órgão afirmou que os moradores terão apoio da prefeitura quando isso acontecer. O município está em estado de situação emergencial em áreas da Praia do Forte, decretada devido ao avanço do mar e aos danos significativos causados pela erosão costeira. A situação foi reconhecida pelo governo federal no dia 29 de novembro. O decreto considera o agravamento da erosão marinha em toda a orla da Praia do Forte, que, segundo o documento, foi provocado pelo “avanço das marés além da normalidade”. Também considera a destruição em parte do trecho da via pública e equipamentos de drenagem pluvial da praia, além de outras áreas costeiras afetadas. Também não é a primeira vez que o Governo da Paraíba reconhece a situação de emergência no município. Em 2010, o estado afirmou que a Baía da Traição estava sofrendo com o “súbito e imprevisível” avanço do mar rumo à orla da cidade. O decreto registra que o “processo de erosão marinha” estava ameaçando bens e equipamentos do município, além de colocar em risco a vida de moradores e turistas que visitavam o local.Naquela época, a Defesa Civil do município registrou que várias casas foram destruídas e que os moradores estavam apreensivos com suas moradias, problema que estaria causando prejuízos desde 2000.Baía da Traição já registrava imagens de destruição em 2012Inaê Teles/G1/ArquivoVídeos mais assistidos do g1 Paraíba
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